A ciência pode tudo ?

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Sou ardoroso fã das ciências exatas. Vivo replicando a afirmação de Jorge Gerdau, no sentido de que o Brasil deveria fechar boa parte das Escolas de Direito e substituí-las por Escolas de Engenharia. “Engenheiro faz o Brasil ganhar dinheiro; advogado faz o Brasil perder!”.

O excesso de judicialização é uma parte considerável do “custo Brasil”. O capital internacional, pronto para investir, foge de Países onde há potencialidade de lides trabalhistas, cíveis e criminais das quais o réu não consegue fugir e cujas decisões são imprevisíveis, pois a “República da Hermenêutica” permite inúmeras leituras do mesmo texto legal. Depende da concepção de vida, filosófica, religiosa, econômica, política ou mesmo idiossincrática do julgador. Para melhorar, de tanto apreço ao duplo grau de jurisdição, chegamos ao paroxismo do quádruplo grau, com mais de cinquenta oportunidades de reapreciação do mesmo tema graças a um caótico sistema recursal.

Mas não vou ao ponto de afirmar, como o imunologista português António Coutinho, que a ciência “é uma das poucas atividades humanas cuja origem se pode identificar e que tem uma origem única, simultânea à origem da democracia. …A ciência evolui no domínio das dúvidas, e não no domínio das verdades, da certeza absoluta, como é o domínio da religião”.

Até aí, nada a opor. Só que ele continua: “Como vamos excluindo as hipóteses que estão erradas, esta coisa avança, progride. Hoje sabemos mais do que há cem anos, há dez anos, do que no ano passado. Todo o resto da atividade humana não progride. Por isso filosofia não é ciência, porque nunca progride”. Culmina por dizer que a filosofia vai desaparecer: “O que é o objetivo da filosofia vai ser resolvido pela ciência, e a filosofia vai passar a história”.

A filosofia não vai desaparecer. Porque ela é a contínua busca pela sabedoria. Ela serve para explicar aquilo que a ciência não explica. A ciência pode encontrar a parte do cérebro que capta emoções, mas não convence quando tenta definir o que é o amor, a solidariedade, a fraternidade, a intuição, o instinto, a sensação e as molas que impulsionam a vontade.

A filosofia e sua parte mais importante, a ética, é que consegue colocar limites à ciência. Ciência não pode tudo. Ela tem condições de fabricar consciências, de programar nascituros, de trocar partes comprometidas do órgão que permite pensar. Mas ela tem limites. Limites que só a ética pode sustentar, pois a ética também é ciência: a ciência do comportamento moral do homem em sociedade.

De qualquer forma, louvo o trabalho desenvolvido por António Coutinho, que veio repartir sua erudição com cientistas brasileiros. E vou aceitar a sua recomendação de leitura: “Os anjos bons da nossa natureza”, de Steven Pinker. Por sinal que, ao mencionar outro livro do mesmo autor: “Enlightenment Now” (Iluminismo Agora), ele faz uma concessão para a filosofia: “Como ele (Pinker) disse, o conhecimento tanto pode ser para um bom fim ou um mau fim. Portanto, o conhecimento em si não tem valor intrínseco. Por isso, uma ciência que seja consequência da racionalidade, e profundamente humanista, só pode contribuir para a melhoria do mundo”.

Quem dará humanismo à ciência, senão a filosofia?

(Colaboração de José Renato Nalini, desembargador, reitor da Uniregistral, palestrante e conferencista).

(…)

Publicado na edição nº 10278, de 26 e 27 de junho de 2018.