É preciso acreditar!

0
1072

Em tempos de descrença é preciso mais do que nunca acreditar! Acreditar no futuro, nas pessoas, nas possibilidades, na mudança positiva. É preciso que haja um constante esforço coletivo para que a nossa sociedade, a nossa democracia, as nossas instituições e as nossas leis sejam aprimoradas, sem retrocessos e perdas nas nossas conquistas sociais. Confesso que, pessoalmente, estou apreensivo com o futuro. Tenho buscado nos livros, respostas para o que vejo nas ruas, na televisão e nas redes sociais. O que mais me intriga não é só a deturpação dos fatos e das ideias, mas o afastamento dos princípios que, em tese, deveríamos defender a todo custo! Aparentemente, a crença nestes princípios não é mais a mesma. Gostaria de compartilhar algumas ideias com você, leitor.
Precisamos acreditar no poder transformador do amor. Em tempos onde o medo e o ódio têm encontrado terreno fértil para se enraizar, o ato de amar tornou-se um ato de profunda resistência. A escritora e acadêmica estadunidense bell hooks, em seu brilhante livro “All About Love: New Visions” (2001) afirma que “Como cultura, estamos obcecados com a noção de segurança. No entanto, não questionamos por que vivemos em estados de extrema ansiedade e pavor. O medo é a força primária que sustenta as estruturas de dominação” (p. 93). Segundo a autora, “Quando escolhemos amar, escolhemos agir contra o medo – contra a alienação e a separação. A escolha de amar é uma escolha para se conectar – para nos encontrarmos no outro” (p. 93) – bell hooks defende a ética do amor. Segundo hooks, “Abraçando uma ética do amor significa que utilizamos todas as dimensões do amor – “cuidado, compromisso, confiança, responsabilidade, respeito e conhecimento” – em nossas vidas cotidianas. Só podemos conseguir isso cultivando a consciência” (p. 94). Precisamos pautar as nossas ações e reações no amor!
Precisamos acreditar no poder do diálogo. Tem sido extremamente difícil qualquer tentativa de conscientização e compartilhamento de ideias e informações sérias ultimamente. Enquanto isso, a desinformação alastra-se e o diálogo torna-se cada vez mais agressivo. O educador e pensador brasileiro Paulo Freire, em seu clássico “Pedagogia do Oprimido” (2017), afirma: “Existir, humanamente, é pronunciar o mundo e modificá-lo” (p. 108). O autor defende que “Não há diálogo, porém, se não há um profundo amor ao mundo e aos homens. Não é possível a pronúncia do mundo, que é um ato de criação e recriação, se não há amor que a infunda” (p. 110). O medo da perda de privilégios e a absorção do discurso de ódio na íntegra têm eliminado os sentimentos de amor e solidariedade de qualquer diálogo, a respeito das pautas sociais dos cidadãos marginalizados e oprimidos. Freire defende que “Onde quer que estejam estes, oprimidos, o ato de amor está em comprometer com a sua causa. A causa de sua libertação. Mas, este compromisso, porque é amoroso, é dialógico (p. 111). Precisamos voltar a dialogar para a cooperação e para o desenvolvimento!
Precisamos acreditar no poder da liberdade. O acadêmico e professor indiano Amartya Sen, em seu livro “Desenvolvimento como Liberdade” (1999), defende que “a condição de agente livre e sustentável emerge como um motor fundamental do desenvolvimento” (p. 19). Sen afirma que “a um número enorme de pessoas em diversos países do mundo são sistematicamente negados a liberdade política e os direitos civis básicos” (p. 29), e alerta: “Afirma-se com certa frequência que a negação desses direitos ajuda a estimular o crescimento econômico e é “benéfica” para o desenvolvimento econômico rápido. Alguns chegam até a defender sistemas políticos mais autoritários (…)” (p. 30). O autor afirma que há poucos indícios que a política autoritária realmente auxilie o crescimento econômico. A democracia, a liberdade de expressão (que não é confundida com discurso de ódio), a cidadania e os direitos civis jamais devem ser desrespeitados e menosprezados. São esses direitos que nos permitem nos tornarmos “agentes da mudança” e promovermos as mudanças positivas necessárias na nossa comunidade, no nosso país e no mundo.
Em tempos de descrença é preciso, mais do que nunca, acreditar. No amor, no diálogo e na liberdade!
(Colaboração de Arthur Fachini, formado em Relações Internacionais, ativista pelos Direitos Humanos e pela igualdade de gêneros).

(…)

Leia mais na edição nº 10319, de 4 e 5 de outubro de 2018.