Esperando por um milagre

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Existe uma passagem bíblica no novo testamento que relata um milagre que Jesus Cristo teria feito enquanto ser terreno. Denomina-se milagre da “multiplicação dos pães”, o qual carrega em seu bojo, a multiplicação dos peixes. Esse milagre foi realizado por força das circunstâncias que passavam Jesus, seus apóstolos e cerca de quatro ou cinco mil discípulos. Alimentar essa verdadeira multidão contando apenas com alguns pães e peixes necessitaria de um verdadeiro milagre. E ele aconteceu, pelo menos de acordo com a sagrada escritura. Mas, milagres não acontecem a todo instante e nem em todo lugar, não é verdade? Senão não seriam considerados milagres.

O leitor provavelmente se pergunte, calcado na sua singela ansiedade, qual seria a relação entre um milagre ocorrido há dois mil anos e a ciência de hoje. A resposta não é difícil, na verdade é bastante simples: talvez venhamos, depois desse tempo que se mostrou exíguo perante a aventura humana na Terra, necessitar desse milagre novamente. Não necessariamente um milagre da multiplicação física dos peixes, mas certamente um milagre da multiplicação da consciência sustentável entre os homens, já que a ciência por si só tem se demonstrado incapaz deste feito.

 

Os desastres ecológicos

Há alguns anos, cidades do interior paulista vizinhas ao rio Pardo viveram uma tragédia relacionada ao meio-ambiente. A Usina da Pedra (Serrana-SP) deixou vazar 48 milhões de litros de um produto de alta toxidade provocando a morte de milhares de peixes. Com alma ou sem alma, esses peixes mantinham um sábio equilíbrio perpetuado pela natureza há milhares de anos. Esse acontecimento, embora doloroso para a região, representou apenas uma gotinha em um oceano de tragédias sucessivas que têm ocorrido pelo mundo. Quantos navios petroleiros já não deixaram vazar sua carga, atingindo toda uma população costeira de animais marinhos, peixes, aves, entre outros? Quantas usinas de refino de petróleo já não contaminaram o meio ambiente a sua volta? Quantas fábricas de produtos químicos já não poluíram suficientemente o ar que as rodeia?

Lembram-se do desastre criminoso de Mariana, onde 62 milhões de metros cúbicos de rejeitos de minério de ferro foram liberados pelo rompimento de uma barragem pertencente à Samarco? Fauna e flora em uma área equivalente a seis vezes o tamanho da cidade de São Paulo estão sendo desgraçadamente afetadas. Onde está a inteligência humana?

 

A pesca predatória

Um estudo realizado por Daniel Pauly e Reg Watson, pesquisadores do Projeto Sea Around Us, em Vancouver – Canadá, demonstrou que a pesca mundial corre um grande perigo de entrar em colapso. Desta vez a causa não é o simples descaso do homem, mas sim a sua ação implacável e predatória de pesca.

De acordo com relatos do século 17, a costa da Nova Escócia, no Canadá, costumava fervilhar de peixes enormes como bacalhau, salmão, badejo e esturjão. O mesmo ocorria nas águas da costa da Patagônia, no Mar da Arábia, nas costas Japonesas, e em várias outras partes do globo terrestre.

Hoje a situação é bem diferente daqueles tempos, apesar da falsa impressão que as pessoas têm em relação ao assunto. Talvez pela grande oferta de peixes nos supermercados, bares e restaurantes, a imagem que nos chega é que o mar é um repositório infinito de alimentos. Caminhando na contramão dessa visão popular, o estudo de Pauly e Watson alerta para a real situação: “Em geral, os pescadores têm de trabalhar longe da costa e a grandes profundidades, num esforço para manter os números do ano anterior e satisfazer a crescente demanda. Estamos convencidos de que a pesca exagerada e a pesca dos estoques distantes são práticas insustentáveis e ameaçam espécies importantes”. E justificam que o desenvolvimento tecnológico da pesca, como os localizadores acústicos de peixes, aliado a políticas globais e nacionais que não conseguem estimular o manejo sustentável da pesca, acabam por favorecer ou aumentar o problema da pesca mundial.

Sugerem, entretanto, que tal problema ainda tem solução: proibir equipamentos como dragas ou barcos arrastões que afetam ecossistemas inteiros; estabelecer reservas marinhas que permitam a recuperação dos peixes; e, abolir os subsídios governamentais que mantém barcos demais nos mares atrás de poucos peixes.

Do contrário, finalizam os pesquisadores, o futuro nos reservará apenas uma dieta à base de cozido de águas-viva e plâncton, a não ser que queiramos recorrer mais uma vez ao milagre de Cristo.