Produto farto no mercado: rejeição

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Gaudêncio Torquato

Estamos nos aproximando do fim de ano vendo prateleiras vazias de líderes e gôndolas cheias do produto rejeição. Em dezembro, o recesso parlamentar conduzirá a representação política na direção de suas bases, oportunidade em que os nossos atores poderão conferir os apupos que a população dirige aos políticos. Divisarão os primeiros sinais do repúdio que as massas preparam para recepcionar a classe política durante o ano eleitoral de 2016. A rejeição é a palavra de ordem do momento. Rejeitam-se os atores e suas peças – encenações capengas, discursos mirabolantes, promessas vazias de conteúdo, demagogia, populismo, versões estapafúrdias sobre as crises que solapam as bases do edifício político.
A rejeição, desde já, deve ser convenientemente analisada. Trata-se de uma predisposição negativa dos cidadãos em relação aos políticos e seus velhos métodos para engabelar as massas. Para compreendê-la melhor, há de se verificar a intensidade da rejeição dentro da fisiologia de consciência do eleitorado. Analisemos. O processo de conscientização de uma pessoa leva em consideração um estado de vigília do córtex cerebral, comandado pelo centro regulador da base do cérebro e, ainda, a presença de um conjunto de lembranças (engramas) ligadas à sensibilidade e integradas à imagem do nosso corpo (imagem do EU), e lembranças perpetuamente evocadas por nossas sensações atuais. A equação aceitação/rejeição se fundamenta na reação emotiva de interesse/desinteresse, simpatia/antipatia. Pavlov se referia a isso como reflexo de orientação.
A rejeição tem uma intensidade que varia de um para outro. Dilma, por exemplo, padece de alta rejeição, bem como os partidos políticos, a partir do PT, o ente mais identificado com a corrupção, objeto da Operação Lava Jato. Lula, que era o mais admirado político brasileiro, também desce pelo perigoso despenhadeiro da rejeição. Alguns protagonistas conservam rejeição histórica, que nem a névoa do tempo tem conseguido apagar. É o caso, por exemplo, do deputado e ex-prefeito Paulo Maluf. Com o tempo, até que tem sabido administrar a rejeição. Ou melhor, a rejeição de outros é tão mais expressiva que a dele parece ter diminuído.
Alguns políticos, na tentativa de diminuir seus índices de rejeição, promovem mudanças de comportamento e atitudes. Tornam-se menos arrogantes, se esforçam para parecer humildes, circulam no meio do povo, enfim, agem de maneira bem diferente do passado. Erros e rejeições a adversários também contribuem para atenuar a predisposição negativa contra alguns rejeitados. Ou seja, purgam-se pelos pecados mortais cometidos por outros. Por isso, caem no slogan popular: “ruim por ruim, votem em mim”.
Em regiões administradas pela velha política, a rejeição a determinados candidatos se soma à antipatia, ao grupo familiar e aos velho mando. O cidadão, nesses tempos de extirpação dos cânceres da corrupção, toma consciência e luta para se afastar de perfis que representem o passado. Afinal, o país do século XXI começa a extirpar os valores da velha política, ancorados no princípio: “aos amigos, pão; aos inimigos, pau”. Em todas as regiões do País, há altos índices de rejeição aos políticos, o que comprova que os grupos sociais, cada vez mais ilustrados, conscientes, racionais e críticos querem passar uma borracha nos domínios perpétuos.
A rejeição pode ser diminuída? Sim. Condições: pesquisar as causas profundas da indignação social; enfrentar o problema sem tergiversar ou fazer rodeios; não prometer o que não se pode fazer (Dilma fez uma campanha exuberante, prometendo o paraíso, mas as massas só enxergam fundo do poço). A autoestima, valor que se distinguia no princípio da era Lula, está dando adeus. Pesquisas qualitativas, com representantes de todas as classes sociais, podem também indicar as causas da rejeição. Aparecerão, até, as formas que emolduram o painel da rejeição: atitudes pessoais, jeito de encarar as pessoas, oportunismo, ausência de ideias, omissão no trabalho, mandonismo familiar, falso entendimento do conceito de política (é missão, não profissão), orgulho, vaidade, arrogância, descumprimento de promessas, cooptação pelo poder econômico, história política negativa, envolvimento em escândalos, ausência de boas propostas, descompromisso com demandas da sociedade.
Para enfrentar alguns desses problemas, os pretendentes e desafiantes haverão de comer muita grama. Não se apaga a rejeição de modo abrupto. Ao contrário, quando alguém demonstra muita pressa para diminuir a rejeição, essa atitude passará a ser percebida pelo conjunto de grupos críticos, aqueles com maior poder de observação. Ou seja, o esforço poderá dar com os burros n’água.
Trabalhar com a verdade, eis aí o ponto central para se começar a administrar, desde já, a taxa de rejeição. O eleitor de 2016 saberá distinguir alho de bugalho, gato de lebre, falsas ideias de boas intenções, propostas sérias de coisas enganosas. Vamos conferir a hipótese: a próxima campanha eleitoral será a que mais rejeitará figuras.
Sugere-se que os futuros protagonistas eleitorais não percam tempo: montem, desde já, no cavalo de sua própria identidade, melhorando suas habilidades e pontos fortes e procurando atenuar aspectos negativos. Será erro persistir nos velhos hábitos. É preciso mudar na medida do equilíbrio. Sem riscos. Conselho de pé de texto: cuidado com mudanças constantes e bruscas; atentem para a sabedoria da velha lição: não ganha força a planta frequentemente transplantada.
(Colaboração de Gaudêncio Torquato, jornalista, professor titular da USP é consultor político e de comunicação. Twitter: @gaudtorquato).

Publicado na edição nº 9918, dos dias 24 e 25 de novembro de 2015.

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