Solidão, solidariedade

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Gabriel Chalita 

“Solidão” é uma palavra que vem do latim solitudo ou solus que significa “sozinho”. Fernando Pessoa poetiza a solidão, ensinando: “Enquanto não atravessarmos a dor da nossa própria solidão, continuaremos a nos buscar em outras metades. Para viver a dois, antes é necessário ser um”. Viver na solidão é um incômodo diante da nossa natureza. Somos animais sociais, seres da convivência, carentes um do outro para o nosso aprendizado, para o nosso crescimento. Trancafiarmo-nos em nosso porão solitário é estancar os sonhos que brotam quando pessoas e paisagens nos inspiram. Sonhos dos quais necessitamos para a nossa realização. O silêncio é o caminho para a reflexão. Estarmos sozinhos, pensando, escolhendo, decidindo não significa sermos solitários. É disso que fala Pessoa. É preciso “atravessarmos a dor da nossa própria solidão”, da consciência essencial de que somos senhores das nossas vidas.
Diz Vinicius de Moraes que “a maior solidão é a do ser que não ama (…). A maior solidão é a do homem encerrado em si mesmo, no absoluto de si mesmo, o que não dá a quem pede o que ele pode dar de amor, de amizade, de socorro”. Entra aí a “solidariedade”. Do francês solidarité que significa “responsabilidade mútua” ou do latim solide, que significa “firme, inteiro”. “Dar amor, amizade, socorro” é ser solidário. “Não amar” é ser solitário.
A solidariedade é um movimento inteiro, firme na direção do outro. É uma decisão de fazer da vida um serviço à vida dos outros. É ser útil ao mundo. É construir o seu espaço generosamente. De mãos dadas. De olhos abertos. Com passos certeiros. Nossos problemas se apequenam quando somos sensíveis aos problemas dos outros. É na vida dos outros que nos abastecemos para dar à nossa vida um significado.
A solidão tem um preço. O preço da dor prolongada. O preço das ausências. O preço das cortinas fechadas à luz que insiste em avisar que está pronta. A solidariedade é essa luz. Pessoas se entrelaçando, tecendo caminhos para que caminhantes possam seguir depois de alguns tropeços. Solidariedade é a semente que há de brotar e há de se transformar em alimento e descanso para esses caminhantes. É isso o que diz Cora Coralina:
“Se temos de esperar,
que seja para colher a semente boa
que lançamos hoje no solo da vida.
Se for para semear,
então que seja para produzir
milhões de sorrisos,
de solidariedade e amizade”.
Somos livres para escolher. A solidão dos problemas que aumentamos em nós mesmos, dos desconfortos que outros nos causaram, mas que permitimos, das frustrações por projeções que erroneamente fizemos. Isso ou a solidariedade dos que se desdobram em enxergar a dor do outro e estar perto para oferecer algum afeto, para ouvir, para fazer, para permitir que emoções nos conduzam, racionalmente, na certeza de que fazemos parte de uma mesma humanidade.
“Sorrisos de solidariedade e amizade” significam muito mais do que a passividade de uma face que utiliza os músculos. Significa o êxodo e o encontro. Sair de nossas solidões e nos solidarizar com os que de nós necessitam. E fazermos o necessário para amenizar o sofrimento que chegou. Conheço muitas pessoas que fazem trabalhos voluntários com alguma frequência. Nenhuma delas é solitária. Gastar a vida fazendo o bem faz bem. Gastar a vida fazendo o bem é o remédio que cicatriza feridas da alma e do corpo. Há momentos em que é bom dizemos a nós mesmos: basta, é hora de viver! Solidariamente. Cuidando e sendo cuidado.

(Colaboração de Gabriel Chalita, Professor e escritor).

Publicado na edição nº 9898, dos dias de 3, 4 e 5 de outubro de 2015.