O erro monumental do PT

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Gaudêncio Torquato 

Uma fogueira consumiu parte da imagem do Partido dos Trabalhadores. Depois de fundado em 10 de fevereiro de 1980, o PT envergou a bandeira de mudanças nos costumes políticos, na administração pública e até nos comportamentos sociais. Encarnava o ideário da moral e da ética. Simbolizava uma fortaleza contra as injustiças. Depois de algumas derrotas, Luiz Inácio Lula da Silva, o pernambucano que comandou as lutas operárias no ABC paulista, na época da ditadura, chegou ao comando da Nação.
Depois da grande vitória de 2002, o PT conseguiu outras em 2006, 2010 e 2014. Até que, sob o governo Lula, o partido começou a naufragar nas águas do mensalão e nos dutos da Petrobras. A Operação Lava Jato atingiu as principais lideranças do partido, incluindo Lula, Dilma, e os ex-poderosos ministros José Dirceu e Antônio Palocci. Os escândalos corroeram a imagem do partido. Mas o PT cometeu um monumental erro. Não foram apenas os deslizes e desvios. Foi também um discurso errático, voltado para dividir a sociedade brasileira: o discurso do “Nós e Eles”.

Os bons e os maus
só agora os petistas se dão conta da burrada ao tentar erigir um muro entre as classes sociais. Uma recente pesquisa realizada pela Fundação Perseu Abramo, do próprio PT, e conduzida pelo professor Marcio Pochmann, exibiu o resultado que deve ter assombrado a cúpula partidária: não há cisão entre a “classe trabalhadora” e a “burguesia”, entre o que Lula e companhia designavam de “Eles”, os impuros e bandidos, e “Nós”, os éticos e mocinhos. O grande vilão do povo é o Estado, apontou a pesquisa.
Pode-se aduzir que o PT, ao instigar a luta de classes, derramou tonéis de ódio, plantando sementes de desagregação. Daí a rejeição que o próprio Lula possui, hoje, em torno de 60%. Se exibe, ainda, o melhor índice de aceitação, leva, em contrapartida, a mais alta rejeição.
As pessoas se queixam da inexistência de serviços públicos de qualidade, particularmente em áreas como saúde, educação, mobilidade urbana, segurança pública. Quando o Estado implanta programas de maior impacto, como Bolsa Família, Prouni, Fies, utilização de recursos em contas inativas do FGTS, é reconhecido e aplaudido. Ao contrário, quando aumenta a carga tributária, passa a ser execrado. Afinal, a elevação de impostos e tributos não resulta em melhores serviços. A reivindicação numero 1 das classes sociais é na direção do Estado eficiente, menos lerdo e burocrático.

Todos são iguais
O espaço partidário está contaminado pelo vírus da corrupção, razão pela qual os eleitores defendem a ideia de existência de um partido único, capaz de agregar os melhores quadros entre as siglas. Os políticos são, na percepção dos pesquisados, usurpadores, eis que trabalham por seus interesses pessoais. Essa leitura sinaliza para a necessidade urgente de uma reforma na política, a partir da reorganização partidária, hoje composta por 35 siglas.
Não mais que 5 ou 6 partidos representam as visões da sociedade. Nesse desenho, assume força o espaço da fulanização política, que transforma as entidades em blocos repartidos entre perfis pessoais.
Essa é uma radiografia da nossa política. O que fazer para corrigir tantas distorções? Dará tempo até 2 de outubro de fazer algo para realizar o pleito de 2018 com padrões mais éticos e legitimadores da vontade social? É possível que a Comissão de Reforma Política, cujo relator é o deputado petista Vicente Cândido, chegue a um consenso em torno de aspectos fundamentais. O ciclo da velha política está morto, mas não foi enterrado.
Urge que os partidos, a partir do próprio PT, decidam realizar um programa mínimo de mudanças. Ou será que Lula, por exemplo, ainda pensa em se apresentar como o Salvador da Pátria? Se olhar os anseios da sociedade, não se aventurará a querer ser o líder messiânico pregando a luta de classes.

(Colaboração de Gaudêncio Torquato, jornalista, professor titular da USP é consultor político e de comunicação. Twitter: @gaudtorquato).

Publicado na edição nº 10116, de 14 a 17 de abril de 2017.