Um dia na vida

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Esse o nome de um documentário de Eduardo Coutinho, realizado em 2010, que explica a consciência de grande parte da nova geração brasileira. Ela foi formada à frente da TV. E ali assistiu de tudo. Esse excesso de imagens e de sensações, sem aprofundamento, é o que justifica em parte a absoluta ausência de consenso em relação a quase tudo. Principalmente naquilo que concerne à vida concreta de cada um: quem e como coordena o convívio, exerce o monopólio do poder e define em que se gastará o escasso dinheiro extorquido de uma população miserável.

Muito pouca gente possui condições de proceder a análises sensatas daquilo que acontece no Brasil nestes últimos anos. Francisco Bosco, ensaísta e autor de “A vítima tem sempre razão”, editora Todavia, procura explicar o que aconteceu durante a greve dos caminhoneiros e a compara às manifestações de junho de 2013.

Não é fácil concluir o que se passa pela cabeça do brasileiro. Até porque, de qual brasileiro estamos falando?

Uma das leituras possíveis é a de que a revolta é da quase extinta classe média. Laura Carvalho, no livro “Valsa Brasileira”, diz que os 50% mais pobres aumentaram sua participação na renda total de 11% para 12% entre 2001 e 20015. Os 10% mais ricos subiram de 25% para 28%. Enquanto isso, os 40% intermediários reduziram sua participação na renda de 34% para 32% no mesmo período.

Há uma sensação muito ruim de desalento, de descrença e de desesperança. Todos conhecem ao menos alguém, e talvez seja da própria família, que está desempregado. Não há quem não fique indignado com o indescritível aumento de seres humanos ocupando as ruas. A sujeira adiciona um clima de fim de festa ao milagre brasileiro. O descalabro no tratamento da natureza é uma das maiores frustrações de quem acreditou no Brasil verde.

Mas não existe uma voz confiável em quem depositar aquela esperança moribunda que ainda resiste nos mais otimistas. Ninguém fala na redução dos partidos, que só servem para beneficiar seus integrantes, sustentado pelo povo que tem a mais elevada carga tributária do mundo e os serviços públicos menos eficientes. Ninguém tem coragem de dizer que Estado sem receita tem de voltar a ser território e município idem teria de se tornar distrito. O Brasil parece uma festa baile da Ilha Fiscal, com gastos desnecessários e a nau sem rumo afundando rapidamente.

Começam os gritos pela intervenção militar, eufemismo de autoritarismo. Se vier, começará por calar a boca daqueles que hoje preferem praticar vandalismo, interromper o trânsito, queimar pneus e ônibus do que tentar convencer o povo de que ele é o patrão e o governo seu empregado. Péssimo empregado, por sinal.

Colaboração de: José Renato Nalini, desembargador, reitor da Uniregistral, palestrante e conferencista.